sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Um “poblema” na democracia





Zé Dirceu foi cassado com 294 votos a favor do parecer do Conselho de Ética na quarta-feira, 30/11.Se não estivesse a população, a imprensa e qualquer outro tupiniquim tão cansados do que se passa lá no DF,poderíamos ter ouvido(e ainda ouviremos,acho) a comemoração: -Agora a democracia brasileira deu prova de maturidade. Não discordo se tomarmos em sentido amplo esse avanço.Ainda assim, acho que Dirceu ganhou mais do que perdeu com a sua cassação.Explico-me:

A-Há alguns meses, o PT parecia estar perto do seu fim.Hoje essa crise parece bem menor.

Apesar de em grande parte, isso ser responsabilidade da oposição, ruim, incompetente e medrosa (algo me diz que o medo é bastante justificado...),Dirceu tem mérito em colar os pedaços do partido.Isso ficou claro nas eleições para presidente do partido, nas quais Tarso Genro quis botar as manguinhas de fora e acabou chupando seu dedo ex-trotskista, enquanto Dirceu mostrava seu poder e conhecimento sobre a máquina do partido. A própria obstinação do “Guerreiro Dirceu” (Apelido de gosto duvidoso, certamente) na defesa de seu processo contribuiu para o fortalecimento do partido, inclusive reavivando uma das características principais do PT.Sigamos.

B-De articulador do mensalão,Dirceu virou vítima.O pobre coitado de 68?

Dirceu não era pobre coitado em 68,como não o é hoje.Não ratifico a ditadura instaurada em 64, mas sei que os planos de Dirceu para o Brasil não eram auspiciosos.Assim, como os planos e de seu partido neste 2005 não são os melhores.Ao tomar para si a defesa de seu mandato, ao assumir que havia falhado em alguns momentos do passado (atitudes relacionadas a governos anteriores, inclusive),ao “demonstrar” humildade,Dirceu reedita o papel de vítima,tão antigo quanto nocivo na cultura política do Brasil.Ainda pior, um papel também bastante antigo e terrível que é o do herói salvador.Em alguns momentos da história (para não dizer a maioria deles), esses papéis se juntaram, ajudando a minar a já frágil cultura democrática bananística.O PT exerceu com graça esse papel nos últimos 20 anos.Graça para o partido, desgraça para a democracia.Os motivos da desgraça?

C- “Desgracei-me!”

Um puro não pode caminhar entre os vilões.Superiores só se misturam na prática dos inferiores para eliminá-los (preferivelmente pela transformação).Essa foi a mensagem sub-reptícia no discurso petista durante todo esse tempo(e ainda é a tônica do partido).Não há possibilidade de diálogo com quem quer uniformizar.Não há possibilidade de diálogo com quem é mais puro que os outros.Não há possibilidade de democracia se o que há é um eterno “Nós contra eles”.Não há possibilidade de democracia quando só se responsabiliza a outra parte no debate.Quando os nossos erros são sempre frutos dos erros maiores dos outros.Democracia é diálogo, é transitar entre o que mais nos repugna, tentar mudar e ser mudado.È algo lento, é algo difícil, mas é a única possibilidade de convivência entre homens que se querem livres e melhores. O discurso da vítima, do escravo escraviza a todos que aderem a ele.O discurso uniforme destrói, desgraça.



D-“Burgueses”

O mais comum em uma conversa com um petista (ou simpatizante do partido,mesmo que um desiludido ou um psolista,o que dá quase no mesmo) sobre democracia é o muxoxo que eles fazem quando se fala na garantia das liberdades civis,da democracia representativa,do procedimento.Logo vem a defesa da “igualdade formal”.Bastante curiosa é a tese de que Zé Dirceu foi caçado,uma vez que não houve provas do seu envolvimento com o esquema do mensalão.Dizem também que não houve prova do mensalão.Pois houve prova do caixão 2 e do “repassão” de verbas a deputados da base aliada.Se o principal articulador do governo não
responde politicamente perante tal esquema, quero saber quem responde.Eu, talvez.Dirceu teve mais direita à defesa do que qualquer outro deputado já cassado pela Câmara dos Deputados.E isso não é ruim, mostra que há garantias em nossa democracia.Por mais que quem defenda Dirceu negue.

E-Tentando completar


A cassação de José Dirceu o fortalece à medida em que quase 200 deputados(uma quantidade nada desprezível de um total de 513) acataram sua tese de que não houve responsabilidade do ministro diante da compra de deputados pelo partido do governo.Compra de deputados, sim.Por mais que não tenha havido correlação direta entre saques e votações importantes (e parece que houve até essa correlação),houve no mínimo pagamento das campanhas eleitorais.Se isso não é compra de consciência, espero que alguém esteja disposto a me explicar o que é.
A cassação de José Dirceu o fortalece quando mitologiza o “jovem bonito que andava armado e que tinha o sonho de mudar o Brasil”, quando mitologiza “o homem que por 3 anos escondeu a sua identidade de todos por um ‘sonho’ “-bastante tenebroso,acrescento.Fortalece o ex-deputado quando ajuda a construir(e para isso colaboram imprensa,pessoas de “boa consciência” e “progressistas” mil) a ilusão de que por uma causa vale tudo e de que tudo mais que possa acontecer no caminho-mesmo que seja a piora da democracia-são tratados como meros errinhos.Dirceu mesmo disse: “Delúbio é honesto, ele errou”. É o bom selvagem de mangueira na mão.
A cassação de José Dirceu fortifica ainda um partido que parecia acabado, tolhido que estava em exacerbar sua retórica costumeira de honestidade e pureza, que serviam para encobrir métodos autoritários de governo.E ao acentuar essa característica flagrante na história do PT impede qualquer possibilidade de mudança ou melhora nos princípios e propostas da agremiação.
A cassação de José Dirceu mina a democracia ao fortificar um discurso autoritário, pobre em propostas, vitimizante,que aprisiona os seus defensores numa eterna acusação do outro e impede que se possa melhorar o diálogo entre os homens,que impede que a existência tenha sua miséria reduzida(e falo de miséria de espírito principalmente).


Cada vez mais estou convencido da culpa de José Dirceu.

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